Opinião
- Edição 574 - Jornal NippoBrasil
Movimentos na Europa
Teruo Monobe*
A Europa
atravessa uma fase conturbada. Não é novidade. Em épocas
de crise, é normal que as populações do mundo desenvolvido
saiam às ruas para protestar, não faltam assuntos para tal.
Em se tratando de Europa, faz sentido ocorrerem movimentos que reivindicam
benefícios, direitos ou regalias, pois lá é o berço
do bem-estar social. Desta vez é diferente. Primeiro, os gregos
foram às ruas contra o aperto fiscal depois que o país quebrou.
Recentemente, foi a Espanha. Agora, a França. Neste último
caso, é devido à reforma da previdência social.
O curioso é
que o movimento francês foi liderado pelo sindicato de petroleiros
e pelos estudantes. O movimento conseguiu fechar inúmeros postos
de combustíveis, provocando problemas de abastecimento no país.
O funcionalismo público também paralisou as estatais. De
novidade, os estudantes. Eles parecem querer resgatar a história
de 1968, quando o movimento liderado pelo ruivo Cohn-Bendit quase pôs
em xeque o então governo do general Charles De Gaulle. Hoje, Cohn-Bendit
é um tranquilo deputado verde francês. Coisas da vida.
A questão
é que na França, que é o país democrático
onde o Estado é empresário e também onde o funcionalismo
público é privilegiado, é também o país
onde os protestos tomam a forma mais violenta e agressiva. Os estudantes
parecem querer garantir um lugar na história, liderando movimentos
mais radicais. No Brasil, em 1968, por ocasião do domínio
militar, os estudantes também saíram nas ruas para protestar,
e hoje muitos deles são políticos e governantes. É
só consultar os jornais velhos ou os currículos de muitos
políticos.
Os incidentes
varreram toda a França. Os petroleiros tiveram que ser mais contidos;
pudera, se recorressem à violência, seria explosivo. Coube
aos estudantes secundaristas, principalmente, a radicalização.
Apesar da virulência dos movimentos estudantis, foi a greve dos
sindicalistas e dos funcionários públicos do setor de transporte
que mais preocuparam, porque são os setores mais frágeis
do país. Da mesma forma que o general De Gaulle se viu em apuros,
o presidente atual também teve seu prestígio abalado. Mudam
os personagens, mas a história é a mesma.
Os protestos
foram uma forma de repudiar o projeto de reforma que elevou de 60 para
62 anos a idade mínima para a aposentadoria e de 65 para 67 anos
a idade para o recebimento do salário integral. Em alguns países
europeus, 68 anos de idade é a idade da aposentadoria. Mas os franceses
têm o histórico de rejeitar reformas que mexam com os interesses,
mesmo tendo sido aprovado pelo Congresso. Diz-se que o francês tem
o coração à esquerda, mas o dinheiro no bolso direito.
Difícil conciliar as soluções para a crise com os
interesses da população.
A princípio,
seria difícil entender por que os estudantes protestaram, já
que a rigor não teriam nada a ver com a previdência. Ocorre
que, na França, greves e manifestações são
vistas como formas de afirmação da cidadania. Os intelectuais
lembram que, desde maio de 1968, os governantes se viram em dificuldades
sempre que os estudantes saíram às ruas. Agora, a situação
é diferente, é pior. Trata-se de uma queda de braço
entre o governo e todos aqueles que não querem mudanças,
nem desemprego e nem falta de perspectivas.
As medidas
idealizadas pelo governo são uma resposta à crise pela qual
passam os países europeus. O Reino Unido, que anunciou corte de
quase 500 mil empregos no setor público, pode não ter a
mesma reação dos franceses. A cultura é outra, mas
igualmente difícil para ambos os governos. As coisas se complicam
quando as medidas entram em choque com as ações coletivas
da população, como na França. Quanto à comparação
com a crise de 1968, a França, na ocasião, passava por um
período de prosperidade. Agora é diferente; a crise atinge
em cheio a Europa, e os governos têm que editar medidas impopulares,
que ninguém quer.
O movimento
estudantil francês de 1968 teve muita influência por aqui.
Hoje, os estudantes estão quietos. O último movimento foi
o dos caras pintadas de 18 anos atrás contra o então presidente
Collor. Alguns deles hoje são parlamentares que convivem com o
então adversário. Petroleiros e sindicalistas brasileiros
não protestam porque estão no poder. Mas, o projeto de reforma
da previdência que se pretende fazer a partir de 2011 é até
pior do que o aprovado pelo Congresso francês: aumentar ainda mais
a idade mínima da aposentadoria. Se estudantes e sindicalistas
brasileiros não saírem às ruas, quem vai sair?
*Mestre em Administração Internacional e doutor pela USP
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