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               Walter 
                Ihoshi* 
               Mais 
                de duas mil Santas Casas de todo o país podem fechar suas 
                portas ainda este ano devido à falta de recursos e o acúmulo 
                de dívidas impagáveis. Apesar dos pedidos de socorro 
                nos últimos anos - intensificada nos últimos meses, 
                a ajuda não chegou. As poucas entidades que receberam doações, 
                emendas parlamentares ou repasse de verba pública não 
                conseguem se reerguer tamanho o rombo de suas contas.  
              As 
                Santas Casas foram fundadas na colonização do Brasil 
                com a filosofia de servir à população, sobretudo, 
                os mais carentes. Mais de 400 anos após a fundação 
                da primeira, a Santa casa de Misericórdia, elas ainda cumprem 
                esse papel social. A maioria das 4 mil unidades existentes no 
                país utilizam mais de 90% de sua capacidade no atendimento 
                gratuito, embora a legislação exija somente 60%. 
                No Estado de São Paulo, elas respondem por mais de 50% 
                dos leitos públicos.  
              Mas 
                praticar a filantropia tem sido uma tarefa cada vez mais difícil. 
                Se no passado as Santas Casas funcionavam graças aos voluntários, 
                doações generosas e fortunas deixadas por famílias 
                ricas, hoje, elas dependem basicamente do pagamento do SUS, cuja 
                tabela não é reajustada há pelo menos cinco 
                anos. Essa defasagem é o principal motivo apontado pelas 
                Santas Casas para o colapso generalizado.  
              A tabela 
                do SUS possui cerca de 4,6 mil procedimentos. Os gestores das 
                Santas Casas pedem 100% de reajuste nos cem principais procedimentos 
                de média e baixa complexidade, como atendimentos de emergência, 
                exames de raio-X e outros exames em geral. O SUS paga, por exemplo, 
                R$ 6,88 por um exame de raio-x, enquanto que os planos de saúde 
                repassam aos hospitais R$ 20,96. Por um eletrocardiograma, o SUS 
                paga R$ 5,15, e os planos, R$ 10. Na prática, para cada 
                R$ 100 que as Santas Casas gastam, o SUS repassa R$ 60. Por causa 
                disso, o setor possui um déficit atual de quase R$ 15 bilhões. 
                 
              A situação 
                caótica levou as entidades que representam as Santas Casas 
                e hospitais filantrópicos a buscarem apoio do governo federal. 
                Para tentar atenuar os problemas apresentados, no final de junho, 
                o Ministério da Saúde anunciou o envio de um projeto 
                de lei ao Congresso Nacional que cria o PROSUS, um programa de 
                apoio financeiro a essas unidades. Segundo o texto, em um prazo 
                máximo de 15 anos, os débitos das instituições 
                que aderirem ao programa serão quitados. Em contrapartida, 
                os hospitais devem ampliar o atendimento de exames, cirurgias 
                e atendimentos a pacientes do SUS.  
              Autoridades 
                do setor criticam a medida, pois apesar da boa vontade do governo, 
                este projeto ainda terá que ser debatido e votado na Câmara 
                e no Senado. A aprovação desse programa pode demorar 
                anos. E tempo é o que as Santas Casas menos têm. 
                Elas precisam de uma resposta urgente, e a situação 
                só começará a ser resolvida quando o SUS 
                pagar o valor real dos serviços prestados.  
              Se 
                as Santas Casas tiverem que reduzir seus atendimentos para diminuir 
                seus custos operacionais ou, na pior das hipóteses, encerrar 
                suas atividades, milhares de brasileiros ficarão desamparados. 
                Primeiro porque 70% das unidades estão localizadas em municípios 
                com até 30 mil habitantes onde, em grande parte, é 
                a única alternativa de atendimento público. E depois 
                porque mais da metade dos procedimentos de alta complexidade no 
                país - como cirurgias de grande porte - são realizadas 
                pelas Santas Casas de Misericórdia.  
              A criação 
                do SUS é, sem dúvida, uma das maiores conquistas 
                sociais do Brasil. Mas de nada adianta um sistema de saúde 
                copiado por diversos países do mundo se falta investimento 
                para mantê-lo. O que será do SUS se a crise enfrentada 
                pelas Santas Casas não for solucionada? Não é 
                justo ver esses hospitais, principais parceiros do SUS, deixarem 
                a missão que carregam há séculos para trás. 
                Não é justo com a sociedade brasileira, que já 
                padece com a precariedade da saúde pública, ver 
                sua única opção de atendimento fechar as 
                portas. As Santas Casas e hospitais filantrópicos necessitam 
                de ajuda emergencial. Só assim conseguirão sair 
                da UTI. 
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