Opinião
- Edição 573 - Jornal NippoBrasil
Tiroteio
Teruo Monobe*
Embora
o câmbio tenha dominado todo o noticiário nas últimas
três semanas, o leitor pode ficar sossegado: não vamos voltar
ao assunto, já cansou. Na realidade, está longe do fim:
vai demorar muito tempo para se chegar a alguma conclusão. Se fôssemos
comentar, ficaríamos até o final do ano falando do assunto.
Se nem a reunião anual do Fundo Monetário Internacional
serviu para se chegar a algum resultado, não serão os analistas
que vão achar uma solução plausível. O FMI
é um órgão poderoso, mas não consegue um consenso,
pelo contrário.
Hoje, a China
é o cerne da questão. País com reservas acima de
US$ 2,65 trilhões, grande parte delas em moeda norte-americana,
acaba contribuindo para o desequilíbrio cambial. Também,
nenhum governo é louco para derrubar o dólar norte-americano,
principalmente a China que perderia muito se isso ocorresse. A China está
fazendo o seu jogo, já que tem todo esse dinheiro. Nada de culpá-la,
os outros é que não revelaram competência para chegar
onde ela está. A China só está explorando as imperfeições
dos outros países.
A China culpa
a política monetária expansionista dos Estados Unidos, no
que está certa. Lá, o Federal Reserve, guardião da
moeda, autoriza o aumento de emissão de dólares, entupindo
os mercados mundiais com a moeda, paga taxa quase zero de juro e desequilibra
o fluxo de capitais. Assim, no final das contas, tudo isso alimenta a
elevação dos preços das commodities e causa uma bolha
financeira. Quem acaba sendo seriamente afetado é o Brasil, que
sofre com o câmbio e principalmente com a enxurrada de dólares
no mercado. A culpa é nossa.
Em condições
normais, todo esse desequilíbrio financeiro dificultaria o crescimento
econômico mundial. A situação atual é mais
grave, pois atrapalha a retomada do crescimento nos países mais
ricos e a rápida recuperação das nações
emergentes. Não é à toa que não se chegou
a um consenso em torno da solução do problema cambial no
âmbito do FMI. O que restou, portanto, é uma espécie
de salve-se quem puder ou cada um por si, Deus para
ninguém. E, assim, todo o mundo sofre com essas incertezas
cada vez mais presentes no cenário mundial.
Os Estados
Unidos vão continuar emitindo dinheiro para fazer face ao seu estrondoso
déficit fiscal e os chineses não vão valorizar o
yuan como todos pedem. As nações da zona do euro e os demais
países asiáticos vão ficar na cola dos dois maiores
players globais, esperando para ver o que acontece. O Brasil não
tem muitas opções. A alta das commodities vai provocar distorções
nos sistemas de preços no mundo e afetar a inflação
por aqui. Com inflação mais alta, os juros vão permanecer
altos, atraindo mais capital para cá. Todos sabem o resultado.
Os analistas
acham que na reunião do G-20 em novembro possa se chegar a um acordo
que não foi possível na reunião do FMI. É
otimismo demais imaginar que em um grupo disperso como o G-20 seja possível
chegar a uma solução satisfatória. Basta que a sugestão
seja um pouco menos satisfatória para a China para o país
recusar. A história está repleta de exemplos de países
que, estando por cima, nunca abriram mão da sua posição.
Não seria agora que a China se disporia a dar uma mãozinha
a todos, mesmo porque as soluções não dependem só
dela.
O País
se pergunta o que o próximo governo vai fazer com relação
aos principais problemas que estão tirando o sono das autoridades
monetárias? Já existe um consenso que acumular mais
reservas é enxugar gelo e tem custo fiscal alto (Samuel Pessoa,
professor da FGV), ou que o Brasil saiu da estagnação
que caracterizou o comportamento de sua economia até muito recentemente,
mas ainda há muitos problemas a resolver (Fernando Cardim
de Carvalho, professor da UFRJ), conforme entrevista ao Valor Econômico
(13/10).
Enquanto se
discutem esses assuntos, as autoridades se preocupam com os estádios
da Copa de 2014, e as obras da Olimpíada de 2016 no Rio de Janeiro,
ambos grandes consumidores de recursos. De tabela, discute-se o trem-bala
que ligaria Campinas ao Rio de Janeiro ao custo (atual) de cerca de R$
34,6 bilhões, mais caro do que as hidrelétricas de Santo
Antonio, Jirau e Belo Monte juntas, e boa parte das obras de transposição
do rio São Francisco. Dizem que governar é eleger prioridades.
Até domingo, 3, a prioridade foi ganhar a eleição.
O resto era conversa fiada.
*Mestre em Administração Internacional e doutor pela USP
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